barragem de represa de água

Entenda a crise hídrica e a situação energética no país

Entre os episódios que marcaram a história do Brasil no setor elétrico, estão os apagões de 2001. Afinal, mesmo quem não presenciou o racionamento, em algum momento já ouviu falar sobre os cortes de energia ocorridos na época com o intuito de reduzir o consumo nacional. E, hoje, quem mantém essa memória, se encontra novamente preocupado com a situação energética e a crise hídrica que cerca o país. 

Muitos brasileiros foram impactados no mês de julho com a notícia de que a conta de luz ficaria ainda mais cara – 52% para ser exatos. O número assustou grande parte da população que, acompanhada de dúvidas, prepara-se para os próximos meses com o aumento. Mas porque o valor da energia está se elevando tanto? 

Mudança na bandeira tarifária 

O fato é que isso está acontecendo por conta da diminuição das chuvas e dos baixos níveis de água nos reservatórios hídricos. No Brasil, as hidrelétricas são responsáveis por produzir cerca de 70% da eletricidade consumida no país e, se o custo para gerar essa energia fica mais alto, quem usufrui dela também acaba pagando mais. Ou seja, quando os custos na produção energética aumentam, isso impacta diretamente na mudança das bandeiras tarifárias e consequentemente no bolso do consumidor (que não é pouco). 

Diante disso, como medida provisória, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) ativou a tarifa de bandeira vermelha 2, a mais alta de todas, composta por um custo adicional na conta de R$ 9,49 para cada 100 kwh (quilowatt-hora). Em entrevista à Agência Brasil, André Pepitone, diretor-geral da ANEEL, afirmou que a bandeira é “uma ferramenta de transparência, pois sinaliza, mês a mês, as condições de geração (energética) no país, que refletem os custos cobrados”. 

Ainda segundo ele, as bandeiras não representam um novo custo, mas “um sinal de preços que mostra ao consumidor o custo real da geração no momento em que ela ocorre. Dando, inclusive, oportunidade ao consumidor de se preparar e adaptar o seu consumo, efetuando um uso mais consciente da energia”. 

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Por que estamos presenciando uma crise hídrica?

Perante a situação, Pepitone também relatou que o Brasil enfrenta uma “crise hídrica que se reflete no setor elétrico”, já que os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste, maiores responsáveis pela geração de energia do país, estavam com apenas 30,2% de sua capacidade até o primeiro semestre deste ano. 

Além da frequência relacionada às chuvas, a crise hídrica também pode ter interferências com a questão do consumo. Quando o consumo aumenta, a geração nas hidrelétricas tem que aumentar também. Para isso, é necessário usar mais água para girar as turbinas do gerador, ou seja, abrir mais as comportas que levam água ao sistema. Então se gasta mais água do reservatório e, sem chuvas para abastecer, a situação se torna mais grave. 

Relação com o desmatamento e com mudanças climáticas

Muito se questiona sobre a causa dessa situação ser um período de seca sem precedentes em muito tempo ou falta de planejamento. Possivelmente, as duas coisas. Mas infelizmente, ela não é surpreendente quando paramos para analisar o aumento das mudanças climáticas que resultam na diminuição das chuvas.

Nos últimos 10 anos, o Brasil foi marcado por 3 episódios de seca que afetaram a capacidade de entrega de energia hidráulica. Isso vai além da frequência de décadas passadas. Ou seja, há uma tendência a ter cada vez mais escassez de chuvas, como consequências do efeito estufa, as queimadas e as áreas deterioradas pelo desmatamento, que crescem gradualmente.

Coincidentemente (ou não), o mês de junho foi um dos meses em que mais aumentou o índice de desmatamento da Amazônia no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Esse é o segundo ano seguido em que o recorde de queimadas da floresta é batido no país, e isso acontece com mais frequência no sudeste, onde também está sediado um dos reservatórios mais atuantes no país.

Há chances de racionamento e apagão em 2021?

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirma não haver hipóteses de apagão no país por causa da atual situação no setor. Mas, mesmo após o pronunciamento, as incertezas permanecem entre os consumidores. Por isso, agora, é fundamental envolver uma boa coordenação do Governo Federal e Ministérios Públicos, oferecendo o máximo de “clareza” para a sociedade.

Especialistas afirmam que a palavra que melhor define o que pode acontecer no atual momento é o “blecaute”, ou seja, possíveis picos de consumo que não conseguem ser atendidos. O racionamento seria uma segunda etapa que ainda está fora de questão.

Realmente, com o aumento da oferta de energia, a chance de se ter um apagão é muito menor do que nos anos 2000. Naquela época, éramos mais dependentes das usinas hidrelétricas do que atualmente. Hoje, temos mais possibilidades a partir de usinas térmicas, parques eólicos e a energia solar, que vem ganhando mais espaço.

Além disso, também contamos com o Sistema Interligado Nacional (SIN), que faz com que a energia gerada seja mais diversificada no país. O sistema hidro-termo-eólico, “propicia a transferência de energia entre subsistemas, permite a obtenção de ganhos sinérgicos e explora a diversidade entre os regimes hidrológicos das bacias”.

O perigo da crise hídrica no Brasil

As consequências da crise hídrica e os problemas com fornecimento de energia, inevitavelmente, trazem impactos em três aspectos apreensivos para o país: nos setores que demandam eletricidade para funcionar, no desenvolvimento da sociedade e no próprio meio ambiente.

Mesmo com a improbabilidade de haver um apagão, a tendência é que o valor da conta continue alto, no mínimo até o final do ano – o que provavelmente deve afetar a economia e a inflação. Com esse cenário, a conta de luz não é a única afetada no entanto. O setor de alimentos, de transportes, de construção civil e qualquer serviço que demanda energia, também passam a ter preços mais elevados. 

Nesse sentido, seguido de um ano de pandemia de COVID-19, em que muitas pessoas e empresas estão começando a se recuperar do impacto, e a espera de pela vacinação mundial entra entre os desejos mais importantes, as circunstâncias ficam ainda mais delicadas. Afinal, para um país que presenciou muitos aumentos recorrentes desde o ano passado, envolvendo produtos de higiene, farmacêuticos, combustíveis, entre outros, arcar com mais gastos na conta de luz não será fácil. Pois, mesmo economizando, o aumento ainda será perceptível, principalmente entre a população de baixa renda.

Além disso, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), essa é a pior situação dos reservatórios sudeste em 91 anos. O nível dos reservatórios das hidrelétricas está entre os mais baixos da história em todos os subsistemas. Com isso, a necessidade de recorrer a alternativas mais poluentes que utilizam combustíveis fósseis como a termelétricas, se tornaram necessárias. 

Porém, quanto mais se precisa de energia térmica, maiores podem ficar os valores e mais danos ao ecossistema se causará. Pois, além de utilizarem combustíveis fósseis, elas também necessitam de água para o seu resfriamento, e o volume nesse processo é tão abundante que poderia abastecer algumas cidades por inteiro.

Com as consequências da crise hídrica também está a Revisão Tarifária Extraordinária (RTE) que pode impactar ainda mais o bolso do consumidor a longo prazo. O que algumas entidades estão chamando de “tarifaço”, na verdade, seria um aumento definitivo na conta de luz previsto para ser implantado em 2022. 

Por outro lado, a Privatização da Eletrobrás também surge como um ponto de atenção, podendo provocar preços mais elevados em algumas categorias de alimentos como o leite, a carne e a cerveja, conforme aponta a BBC News. O Planalto diz que a iniciativa deve gerar economia, mas especialistas contrapõem afirmando que haverá mais gastos, além de prejudicar a competitividade do país. 

Leia também: Como está o setor de investimentos de impacto no Brasil? 

Energia renovável como válvula de escape

O aumento do condicionamento de chuva em um período não esperado pode melhorar a situação, mas essa é uma das alternativas menos esperadas, já que a meteorologia não prevê alívio próximo e o que se espera é um longo período em que o risco hídrico ronda a população. 

Investir em um sistema de energia renovável, principalmente solar e eólica, é a alternativa mais viável para o país que possui um enorme potencial no setor. Com dias quentes ao longo do ano e ventos fortes em determinadas regiões, o Brasil possui a matéria-prima fundamental para impulsionar a economia e a transição energética, à medida que gera mais empregos, inovação e diminuição de gases poluentes e mudanças climáticas. 

Por essa razão, é preciso incentivo, apoio governamental e conhecimento sobre a categoria. Hoje, a energia solar fotovoltaica se tornou uma das mais baratas para a população e, quanto mais o setor expandir, mais números positivos serão alcançados. Esses são alguns dos passos primordiais para que juntos possamos passar por essa crise e, mais do que isso, evitar outras.

Estamos em uma situação complicada na oferta, mas há indícios de melhora na demanda e isso pode trazer um ano mais positivo do que foi em outras crises, caso haja organização do lado certo. A pergunta é: quem está preparado para colaborar com isso?

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